Irmãos Batista apostam em listagem da JBS nos EUA para financiar grandes aquisições

Depois de transformar a empresa em um líder global de proteína animal, Wesley e Joesley Batista buscam iniciar uma nova fase de expansão, com reconhecimento de investidores internacionais

Unidade da JBS nos EUA: Analistas veem o próximo o da JBS como uma guinada mais firme para o setor de alimentos processados (Foto: Chet Strange/Bloomberg)
Por Gerson Freitas Jr
11 de Junho, 2025 | 02:35 PM

Bloomberg — Os irmãos Wesley e Joesley Batista ajudaram a transformar um modesto frigorífico fundado pelo pai no interior de Goiás na maior empresa de carnes do mundo, por meio de quase duas décadas de aquisições estratégicas.

Nesse caminho, itiram ter subornado centenas de políticos, aram alguns meses na prisão, foram absolvidos e se tornaram alvos de ambientalistas.

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Agora os irmãos, que controlam a empresa avaliada em US$ 15,2 bilhões, terão que convencer investidores globais de que problemas de governança e outras controvérsias ficaram para trás, conforme embarcam em um projeto que vem sendo gestado há anos: a listagem das ações nos Estados Unidos.

A JBS começará a ser negociada em Nova York nesta sexta-feira (13), após mais de uma década de tentativas frustradas.

O sucesso desse lançamento vai testar a disposição de investidores de ignorar o ado conturbado dos Batistas e se concentrar em sua visão de negócios e na possibilidade que a listagem nos Estados Unidos proporciona de realizar grandes aquisições.

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“Existe uma diferença entre ser uma empresa listada nos Estados Unidos e uma companhia de mercado emergente — são categorias distintas”, disse Benjamin Theurer, analista do Barclays.

A mudança para Nova York e o maior o ao mercado de capitais serão “muito positivos” para o crescimento da JBS, afirmou.

Mas alguns investidores, ao analisarem o histórico da empresa e sua reputação ambiental, “podem não estar dispostos a correr esse risco”.

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Para quem topar o risco, as recompensas podem ser atraentes.

Os Batistas ganharam reputação como negociadores agressivos. Depois da oferta pública inicial (IPO) em 2007, no Brasil, a JBS lançou uma campanha acelerada de aquisições nos Estados Unidos.

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Em três anos, comprou a produtora de carne bovina e suína Swift, a divisão de carne bovina da Smithfield Foods e a processadora de frango Pilgrim’s Pride.

Em 2015, vieram outros negócios, como o de carne suína da Cargill nos Estados Unidos e a fornecedora britânica de frango Moy Park.

Muitos analistas veem o próximo o da JBS como uma guinada mais firme para o setor de alimentos processados com marca, que costumam oferecer margens maiores e mais estáveis que a carne in natura.

Há anos a empresa observa companhias americanas especializadas em salsichas, linguiças e refeições prontas — como as produzidas pela Hormel Foods; e recentemente encerrou negociações para comprar a Oscar Mayer, marca de salsichas da Kraft Heinz, segundo pessoas com conhecimento direto do assunto que falaram à Bloomberg News.

Negócios desse tipo provavelmente estarão entre as prioridades dos Batistas agora que contarão com novo fôlego financeiro.

A listagem nos Estados Unidos, somada a um ambiente regulatório mais rígido, pode ajudar a reduzir o desconto com que a ação da JBS é negociada em relação a concorrentes. Se os investidores atribuíssem a cada dólar de lucro da JBS o mesmo múltiplo aplicado à Tyson Foods, o valor de mercado da brasileira praticamente dobraria.

As ações da JBS (JBSS3) deixaram de ser negociadas na bolsa brasileira na semana ada. Nos últimos cinco anos, acumularam valorização de 86%.

É uma recuperação impressionante para uma empresa que em 2017 mergulhou no caos depois que os irmãos itiram ter subornado autoridades em um escândalo de corrupção de grandes proporções.

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Menos de dez anos atrás, eles aram meses presos no Brasil, acusados de insider trading após confessarem o esquema de propinas.

Como parte de um acordo de delação, entregaram uma rede de políticos que vinham cultivando havia anos, apresentando supostas provas contra o então presidente Michel Temer.

O escândalo abalou o país e provocou uma das maiores quedas do mercado acionário na história recente — episódio que ficou conhecido como o “Joesley Day”.

Eles foram afastados dos cargos executivos e só retornaram ao conselho da empresa em 2024, após serem absolvidos no caso de uso de informação privilegiada.

“Como membros do conselho, Wesley e Joesley Batista trazem décadas de experiência na indústria de alimentos. Eles lideraram a modernização da JBS e foram fundamentais nas estratégias de crescimento”, afirmou a empresa em resposta à Bloomberg News.

”Sua liderança contribuiu para aumento dos investimentos, melhoria nos resultados operacionais, valorização das ações e expansão global.”

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A listagem americana, aprovada por uma estreita margem entre os acionistas minoritários, deve reforçar o controle dos irmãos sobre a empresa.

A reestruturação criou uma estrutura societária com duas classes de ações, que deverão garantir aos Batistas cerca de 85% do poder de voto — ante 48% antes da mudança, segundo documentos da empresa.

Mais de 20 empresas do S&P 500 — como Meta, Alphabet e a própria Tyson Foods — utilizam ações com direito a voto diferenciado, mecanismo que permite levantar capital sem abrir mão do controle. Mas essas ações com supervoto aumentam as preocupações com a governança da JBS, segundo a empresa de assessoria de voto Glass Lewis, que recomendou aos minoritários rejeitarem a proposta de listagem em Nova York.

“O envolvimento da empresa e dos irmãos Batista em múltiplos escândalos de grande repercussão manchou sua reputação, minando a confiança de stakeholders e gerando riscos relevantes à sua posição competitiva”, escreveu a Glass Lewis em parecer no mês ado.

Denúncias e acordos

De acordo com um acordo firmado em 2020 com a SEC, os Batistas fizeram pagamentos ilícitos que somaram cerca de US$ 150 milhões entre 2009 e 2015.

As propinas serviram, entre outras coisas, para facilitar o o a financiamento do BNDES. No mesmo ano, a holding da família Batista se declarou culpada por conspiração para violar a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FA) e aceitou pagar US$ 256 milhões em multas criminais.

O BNDES teve papel decisivo na impressionante trajetória de crescimento da JBS. Os irmãos se especializaram em adquirir empresas mal geridas ao redor do mundo e reestruturá-las.

Hoje, o império opera em seis continentes, com produtos que vão desde carne bovina e frango nos Estados Unidos a alimentos à base de plantas na Europa e salmão na Austrália.

A JBS afirma ter adotado medidas para reforçar seus padrões de compliance.

A empresa diz estar comprometida com “os mais altos padrões de governança corporativa e transparência de mercado”, conforme documento enviado à CVM em 13 de maio. Entre as iniciativas, destaca-se um conselho com maioria independente e um comitê de auditoria autônomo.

“A JBS opera com forte foco em integridade, transparência e geração de valor de longo prazo, amparada por um programa global de compliance plenamente integrado à sua estrutura de governança”, afirmou a empresa em nota à Bloomberg News.

“A área de compliance responde diretamente ao conselho, que mantém maioria independente e é apoiado por quatro comitês especializados. O programa inclui políticas rigorosas contra suborno e corrupção, treinamentos obrigatórios, avaliações de risco e canal de denúncias.”

Além do escândalo de corrupção, a empresa enfrentou acusações no Brasil de comprar gado criado ilegalmente em áreas protegidas da Amazônia. Nos Estados Unidos, foi uma das fornecedoras de carne investigadas por suposta manipulação de preços durante a pandemia e processos antitruste.

Em nota, a JBS destacou seu plano de sustentabilidade baseado em cinco pilares para a cadeia de suprimentos.

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Mais recentemente, a empresa foi alvo de críticas após a Pilgrim’s Pride, sua subsidiária nos Estados Unidos, doar US$ 5 milhões para a cerimônia de posse do presidente Donald Trump.

A senadora democrata Elizabeth Warren disse que foi a maior doação individual ao evento e levantou questionamentos sobre uma alegada influência política indevida.

“Como empresa de alimentos com sede nos Estados Unidos, a Pilgrim’s ficou satisfeita em apoiar a cerimônia de posse de 2025. Temos uma longa trajetória bipartidária de envolvimento cívico”, disse a JBS.

Enquanto isso, o senador Rand Paul pediu que a SEC investigasse a Glass Lewis e a ISS por recomendarem voto contrário à listagem nos Estados Unidos, alegando que os pareceres ignoraram “bilhões de dólares em valor potencial que poderiam ser destravados”.

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Negócios em expansão

Apesar de todo o ado turbulento, os negócios da JBS vão de vento em popa.

A receita deve atingir o recorde de US$ 84 bilhões em 2025, com a empresa se beneficiando da capacidade de operar em diferentes países enquanto atravessa uma severa escassez de gado nos Estados Unidos.

A dívida líquida caiu para menos de duas vezes o Ebitda, menos da metade do nível de alavancagem registrado dois anos atrás. E as ações brasileiras estavam recentemente no maior patamar histórico.

Os irmãos também estão de volta ao cenário público, participando de comitivas oficiais de empresários brasileiros ao exterior e se reunindo com líderes internacionais — Joesley publicou na semana ada uma foto com o presidente da França, Emmanuel Macron.

Mesmo assim, as ações da JBS continuam sendo negociadas com desconto frente a rivais americanas. O valor da empresa corresponde a 5,1 vezes o lucro projetado, ante 6,7 vezes da Smithfield Foods e 7,7 vezes da Tyson. A listagem nos Estados Unidos pode ajudar a reduzir essa diferença, atraindo um grupo maior de investidores, segundo a própria empresa.

A supervisão mais rígida sob jurisdição americana deve reduzir esse desconto, mas preocupações persistentes com governança devem impedir a equiparação total, segundo Arjun Jayaraman, gestor da Causeway Capital Management.

Para reduzir essa distância, a JBS pode ter que avançar ainda mais no segmento de alimentos preparados com valor agregado, inclusive por meio de aquisições, segundo análises recentes do Citigroup e do BTG Pactual.

Produtos processados, como salsichas e refeições prontas, oferecem margens maiores e mais estáveis do que os cortes de carne in natura que ainda representam a maior parte das vendas da empresa.

Embora a JBS tenha forte presença no segmento no Brasil — a Seara fabrica de nuggets e bacon a lasanha e pizza congeladas — ainda carece de presença similar nos Estados Unidos e na Europa.

Em 2014, uma oferta de US$ 7,7 bilhões pela Hillshire Farm acabou superada pela Tyson e segue como a maior tentativa de aquisição da história da JBS.

“Uma reprecificação mais duradoura dependerá de iniciativas estratégicas de crescimento, especialmente em alimentos preparados de maior margem”, escreveu a analista Renata Cabral, do Citigroup.

”Com a listagem, esperamos que a JBS busque crescer organicamente e via aquisições estratégicas, aproveitando sua nova flexibilidade para captação de recursos.”

Em uma conferência em Nova York no mês ado, o diretor financeiro da JBS, Guilherme Cavalcanti, disse que a empresa segue atenta a oportunidades de expansão nos Estados Unidos, embora os negócios dependam de “encontrar o ativo certo pelo preço certo”.

“Eles têm sido ótimos compradores ao longo dos anos”, disse Michael Martino, fundador da Mason Capital Management, acionista da JBS. “Eles não perderam a ambição.”

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