Por que o Brasil pode estar prestes a receber onda de marcas de relógios de luxo

Negociação com bloco da Suíça na esteira de acordo da União Europeia com o Mercosul poderá trazer dezenas de marcas para o país, diz Freddy Rabbat, distribuidor da TAG Heuer e VP de associação de marcas de luxo, à Bloomberg Línea

A Tag Heuer luxury watch boutique in London, UK, on Friday, July 19, 2024. The luxury sector faces more scrutiny when companies report as feeble demand pressures margins. Photographer: Hollie Adams/Bloomberg
Por Daniel Buarque
25 de Maio, 2025 | 07:56 AM

Bloomberg Línea — O mercado de luxo no Brasil vive um paradoxo.

Apesar do potencial de consumo, da familiaridade de consumidores com produtos sofisticados e da crescente demanda por relógios, roupas e órios de alto padrão, o país segue como um dos ambientes mais desafiadores do mundo para marcas internacionais, que em muitos casos abrem mão da presença local.

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Mas uma mudança significativa pode estar no horizonte.

Enquanto a maior parte dos analistas olha com atenção para a ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, outra negociação internacional está no foco de quem pensa no mercado de luxo.

Para Freddy Rabbat, distribuidor da TAG Heuer e vice-presidente da Associação Brasileira das Marcas de Luxo (Abrael), um acordo entre o Mercosul e a EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio - Noruega, Islândia, Suíça, Liechtenstein) teria o potencial de transformar o mercado de luxo no país.

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“Se o acordo for ratificado, do dia para a noite haverá um enxame de marcas suíças se estabelecendo no Brasil”, disse Rabbat em entrevista à Bloomberg Línea.

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A negociação com o bloco costuma seguir o modelo acertado pela UE e ser ratificado seis meses depois, segundo Rabbat. Mas no caso do Mercosul há expectativa de que isso aconteça até antes, o que pode mudar o cenário para as marcas de alto padrão.

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“Se os impostos de importação forem reduzidos no Brasil, teremos mais de uma dezena de novas lojas trabalhando com relógios de luxo aqui. O Brasil é um mercado fantástico e muito importante para todo o mercado de luxo”, disse.

Freddy Rabbat, distribuidor da TAG Heuer e vice-presidente da Associação Brasileira das Marcas de Luxo (ABRAEL)

Segundo ele, o alto imposto de importação cria uma equação inviável para muitas marcas. “As empresas de luxo precisam sacrificar a margem de lucro para atuar no Brasil. Elas já aprenderam que, se não trabalharem com uma política de preço internacional, vão ‘queimar o filme’ no Brasil”, disse.

“Não adianta abrir uma loja e colocar um preço que seja reflexo do valor original mais os impostos. Vai chegar a um valor que é o dobro do que se encontra no exterior.”

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Esse descomo levou à saída de várias marcas do Brasil na década ada. “No começo dos anos 2000 houve uma onda de abertura de lojas de marcas internacionais. Uma década depois, quase metade foi embora porque entenderam que não dava para trabalhar com preço diferenciado”, lembrou.

“As empresas que ficaram foram espertas. Aprenderam que ao fazer uma política de preço internacional, abrindo mão de parte do lucro, elas ganham o consumidor brasileiro, que a a comprar em viagem.”

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Hoje, o consumidor de luxo brasileiro costuma viajar de uma a quatro vezes por ano, disse. “Para ele tanto faz onde vai comprar. Mas ele não é bobo, então não vai aceitar pagar no Brasil o dobro do preço no exterior”, explicou.

Esse comportamento alimenta uma dinâmica que enfraquece o varejo local e limita a geração de empregos e a arrecadação de impostos no país, argumentou.

A redução das tarifas de importação prevista no acordo comercial, segundo Rabbat, criaria um ambiente mais atrativo para empresas que hoje evitam o país por causa da carga tributária.

“Na Suíça há mais de cem marcas importantes de relógio, por exemplo, e nem dez delas atuam no Brasil, pois preferem vender apenas para quem viaja até a Europa.”

Rabbat vê no México um exemplo de abordagem mais eficaz.

“O México entendeu que é melhor garantir o consumidor que compra localmente, paga impostos, gera empregos e diminui a saída de divisas. Isso amplia o interesse de marcas internacionais.”

O executivo apresenta dados para confirmar essa visão. Apesar de ser o maior mercado consumidor da América Latina por ampla vantagem, o Brasil compra significativamente menos relógios suíços do que o México.

“No último trimestre de 2024, o México comprou 91,6 milhões de francos suíços [US$ 110 milhões] em relógios. O Brasil comprou 14,4 milhões de francos suíços [US$ 17,3 milhões]”, disse Rabbat.

“O brasileiro consome tanto quanto o mexicano, mas ele compra no exterior, gera emprego lá fora e paga impostos lá fora”, disse.

A liberalização tarifária com países como a Suíça, segundo ele, pode ajudar a mudar esse quadro.

“Mudar essa lei não deixaria mais barato, mas atrairia mais marcas ao retirar delas a responsabilidade de assumir o custo dos impostos e sacrificar as margens”, afirmou.

“Se o Brasil reduzisse só o imposto de importação para relógios, isso aumentaria a venda no Brasil de cinco a dez vezes.”

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Efeitos da guerra comercial

Outro fator que pode alterar o equilíbrio do mercado global é o impacto das tarifas americanas sobre produtos suíços. “O mundo está discutindo o ‘tarifaço’ americano, mas nós fazemos escola nisso há muito tempo”, disse.

E a guerra comercial pode acabar ajudando o mercado brasileiro, segundo ele.

“O ‘tarifaço’ do Trump pode ser fantástico para o Brasil. Na hora em que os EUA colocam impostos de mais de 30% sobre produtos da Suíça, os relógios do mundo todo vão subir de preço. Aí o Brasil pode começar a dar lucro para essas empresas. Não é que o Brasil melhora, mas o mundo se equipara ao que já acontece aqui”, avaliaou.

Além da conjuntura internacional, há também mudanças de comportamento entre os consumidores em todo o mundo, com o avanço de tecnologias e as oscilações do mercado de luxo.

“O smartwatch veio para trazer o jovem para o consumo de relógios”, disse Rabbat. “Dez anos atrás, o nosso público estava na faixa dos 35 anos. Hoje há adolescentes interessados e olhando para relógios automáticos.”

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Segundo ele, o relógio perdeu a função prática, mas ganhou ainda mais importância simbólica.

“Você não precisa do relógio de pulso para saber as horas. Trata-se de um símbolo da tribo a qual a pessoa faz parte. Ele simboliza a forma de pensar de quem o usa. O relógio posiciona as pessoas em termos dos valores delas. É algo que revela a personalidade.”

Rabbat defendeu que o Brasil reconheça o peso econômico do consumo de luxo e os benefícios de internalizar essas compras.

“Ninguém olha para isso porque soa como querer ar leis para ajudar apenas aos ricos”, afirmou. “Mas mudar essa lei geraria riqueza para o Brasil.”

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

É doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Tem mais de 20 anos de experiência em veículos como Folha de S.Paulo e G1 e é autor de oito livros, incluindo 'Brazil’s international status and recognition as an emerging power', 'Brazil, um país do presente', 'O Brazil é um país sério">

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